Grupo Totem - Pesquisa Rito Ancestral Corpo Contemporâneo Entre vozes corporais e movimentos sonoros

Grupo Totem - Pesquisa Rito Ancestral Corpo Contemporâneo

Entre vozes corporais e movimentos sonoros

A ideia de trabalharmos o corpo e a voz dentro da pesquisa “Rito Ancestral Corpo Contemporâneo”, foi justamente para sentirmos o corpo em ritual como um todo. Esmiuçar os diálogos que o corpo e a voz criam durante as manifestações religiosas nos povos indígenas visitados. Os ‘toantes’, cantos dos Pankararu, agiam como guias durante todo o percurso desenvolvido pelos praiás durante O menino do Rancho. Os demais participantes do ritual respondiam com gritos fortes e específicos em resposta, em seus momentos apropriados. O corpo envolto na dança e nos maracás em mãos, uma farta vestimenta que molda e ainda assim flutua no circular constante dentre a poeira que pairava, os sons envolvendo toda a atmosfera, tudo em sintonia gerando algo sobrenatural. Estes toantes vêm de uma força de antes, carregam uma linguagem ancestral, de um povo que fala para os seus e dança o ser Pankararu. 

Em nossos corpos, sentimos o toré, identificando-o, reconhecendo-o, em nossa linhagem, em nossas entranhas. Trouxemos o corpo tocado, extasiado e profundamente mexido pelo ser indígena. Nossas vozes somam-se às suas. Vozes de resistência diante dos silenciamentos seculares. Em nosso processo de pesquisa entre corpo e voz, experimentamos potencialidades a partir das atividades desenvolvidas nos encontros feitos com Conrado, artista parceiro condutor desta investigação sonora: percebendo espaços entre o som emitido e o movimento, entre continuidades, interrupções, conduções; buscando o corpo a serviço da voz e vice e versa; sentindo o elo entre o movimento e sonoridades propostas, que sons o corpo sugere, que gestos a voz requer ou ainda insistir no que não condiz; realizando a integração com o espaço, o comunicar-se com o externo e o interno, com o outro e o todo; estando dentro e fora de cena, identificando sua função no ritual, sua importância no corpo/voz coletivo. 

Buscando uma ponte entre o Totem e produções vocais contemporâneas, nos debruçamos sobre as obras de Meredith Monk e suas descobertas da voz, tão irreverentes quando sagradas. Suas criações contemplam a dinamicidade das possibilidades atuais e, ao mesmo tempo, nos transportam para um tempo antigo, onde as vozes soavam como sendo da própria terra. Deixando nítida a forte influência indígena, nas sobreposições vocais, suas vocalizações nos remetem novamente aos Pankararu. Meredith é propriamente uma artista xamã, aquele que sente além, visionário, capaz de vivenciar nos dois mundos e nos transportar para um mundo entre o ordinário e extraordinário. 
Na prática do performer como xamã, seguimos também outros fluxos: do movimento contínuo atrelado à respiração e a voz; da criação de linhas no espaço, com voz e corpo; do fluxo corporal transposto para a voz e para o papel, gerando novas linhas e formas; de recebermos estímulos através do tarô, das cartas que orientam o fazer através do desconhecido, do novo e inesperado. Nisso, a voz vem se fortificando enquanto corpo e este, se intensificando através da voz. Seguindo o percurso para uma performance ritual, onde este corpo sonoro seja tocante, bem como o toante.


Grupo Totem – “Rito Ancestral Corpo Contemporâneo” Ritual de dia de Reis – Povo Xucuru de Ororubá

Grupo Totem – “Rito Ancestral Corpo Contemporâneo”Ritual de dia de Reis – Povo Xucuru de Ororubá



foto Fernando Figueiroa


Subir a Serra do Ororubá era mais que um desejo, uma obrigação!  E nos mostrou o quanto a alma coletiva se faz presente. E como ela guia o povo. Sentir isso foi mais importante que ler todos os livros.
                                                                         
foto Fernando Figueiroa
                                                                           
    Éramos todos ouvidos. Ouvir, ouvir, ouvir. A história do cacique Chicão e a retomada das terras. Assassinado pelas mãos do latifúndio. – Diga ao povo que avance. (deixou o recado). E foi plantado em terra Xucuru. Cacique Marcos, filho de Chicão, escolhido pelos encantados, quanta responsabilidade.
Foto Fernando Figueiroa




Foto Fernando Figueiroa


O rito, os pontos, os cantos, o toré, a terra, a passagem do invisível para o corpo híbrido, miscigenado. São muitos fluxos, a energia do lugar, dos encantados, da terra, pisar o chão sagrado.

A Festa de Reis – O ritual, o povo Xukuru mistura rituais e símbolos indígenas com o catolicismo popular e elementos afro-brasileiros. Uma festa que em nada lembra o dia de reis do catolicismo, podemos observar o toré em diversos formatos e significados, incorporação de espíritos encantados e discursos políticos.

Foto Fernando Figueiroa


E percebemos como o ritual é de fundamental importância para consolidação da identidade do povo, para assegurar a luta pela terra que dará ao povo xucuru o poder de determinar seu futuro. Festa, luta política e a memória das lideranças assassinadas se entrelaçam, no universo simbólico Xukuru.

Volto a falar da alma coletiva que se manifesta em fluxo energético, sua força fez o sol renascer dentro do Povo Xuxuru do Ororubá.





Grupo Totem - Pesquisa Rito Ancestral Corpo Contemporâneo Schechner Performance e a Estética do RASA

Grupo Totem - Pesquisa Rito Ancestral Corpo Contemporâneo

Schechner Performance e a Estética do RASA


Durante o mês de dezembro nos aprofundamos, ainda no livro Performance e Antropologia de Richard Schechner , no capitulo que aborda a “Estetica do Rasa” tradução de Denise Zenicola. Schechner comenta sobre a teatralidade que se localiza na boca ou Snout-to-belly-to-bowel:

“O snout-to-belly-to-bowel (da mandíbula para o estomago e do estomago para o intestino) é o ‘lugar’ de gustação, digestão e excreção. A performance do snout-to-belly-to-bowel é um processo muscular, celular e neurológico continuo e interligado de testar- provar, separar alimento de resíduos, distribuir alimentos pelo corpo e eliminar resíduos. O snout-to-belly-to-bowel é o local da intimidade, onde substancias são compartilhadas, onde se misturam o interior com o exterior”(SCHECHNER)

A palavra em sânscrito RASA, dentre seus últimos significados, quer dizer sabor, sentimento ou a sensação que o espectador experimenta ao apreciar uma obra de arte.
O conceito de rasa se delineia no Natyasastra (NS) de Bhrarata-muni (É atribuída ao mítico, fundamental para a cultura cênica indiana) e na Poética de Aristóteles (Texto que inaugura a reflexão ocidental sobre o teatro),ambos ocupam posições paralelas na teoria da performance. Porém, apesar da semelhança os dois textos diferem em, diz Schechner:

“Portanto, o NS e a Poética diferem em estilo, intenção e circunstância histórica. A poética, escrita cerca de um século após o apagou da tragédia grega, constituiu somente uma pequena parte da enorme produção literária de Aristóteles. A poética carece de descrições a cerca das verdadeiras performances; ela discorre principalmente sobre drama, não sobre teatro, concentrando se em uma peça, Édipo, a qual Aristóteles oferece como um modelo de redação de peças teatrais. Caracterizada como “Racional” e “Histórica”. A poética não é considerada sagrada, embora tenha sido, e ainda seja, consideravelmente influente.
Por outro lado, o NS é uma mistura abrangente e detalhada de conhecimentos míticos e realistas sobre performance.” (SCHECHNER)

O ator rásico abre espaço para a liminaridade.
“... Abhinaya significa, literalmente levar a performance até os espectadores – e o primeiro espectador é o próprio ator. Se o “eu” que esta observando se sentir tocado pela performance do “eu” que esta atuando, a performance será bem sucedida .”(SCHECHNER)

“O Ator torna-se um participante. Quando é tocado por sua própria performance, ele é afetado não como o personagem, mas como um participante. Assim como os outros participantes, ele pode apreciar a situação dramática, a crise, os sentimentos do personagem que ele está representando. Ele irá representar as emoções daquele personagem e, ao mesmo tempo, experimentar seus próprios sentimentos sobre aquelas emoções...”(SCHECHNER)

 “Para onde quer que as mãos se movam, os olhos a seguem. Para onde quer que os olhos vão, o pensamento os segue. Para onde o pensamento vai, segue atrás o sentimento, e onde o sentimento vai, encontramos Rasa”
Nandikeshwara


O estudo da estética rasa consolidou nossa intensão de aprofundar a ritualidade no nosso trabalho, enxergando a ligação entre os sopros do oriente e nossos povos indígenas, pois seus rituais também são cheios de sabores, de cheiros, de presença. Dando nos a certeza, mais uma vez, que não somos aristotélicos, nossa linguagem passa por outros caminhos, outras paisagens.




RITO ANCESTRAL CORPO CONTEMPORÂNEO - 1ª DEMONSTRAÇÃO DE TRABALHO

Grupo Totem - Pesquisa “Rito Ancestral Corpo Contemporâneo”


1ª Demonstração de Trabalho realizada na 16º.2  A Porta Aberta - Mostra de Artes Cênicas - EMAJPE




A partir das investigações realizadas nos primeiros meses da pesquisa Rito Ancestral Corpo Contemporâneo o grupo Totem realizou no dia 30 de novembro de 2015 sua primeira demonstração de trabalho.

A ação aconteceu na Escola de Artes João Pernambuco, onde o público contemplado foram; alunos, professores, artistas e a comunidade do bairro da várzea – Recife. 
Quem esteve presente na demonstração presenciou o trabalho desenvolvido a partir do Ritual Pankararu ‘’O Menino do Rancho”, por nós vivenciado na Aldeia Agreste, situada em Tacaratu, sertão do Estado de Pernambuco.

O Processo se desenvolveu a partir dos Totens/ Encantados pessoais de cada integrante do grupo em consonância com a pesquisa vocal e corporal. Elementos como a terra, símbolos imagéticos e sons, presentes entre os índios, foram utilizados como material sagrado, bem como a projeção das vozes rituais e movimentos contemporâneos. 


O momento permitiu com que os presentes pudessem entrar em contato com os experimentos desenvolvidos e proporcionou o diálogo do Grupo Totem em torno dos seus processos de criação. Houve também a partilha sobre como acontecem os rituais e quais elementos observados pelo grupo deram o ponto de partida para a pesquisa física contemporânea. Podemos dizer que este momento de troca foi muito importante para o projeto em desenvolvimento, visto que através dele a pesquisa entrou em contato pela primeira vez com o grande público. Compartilhar vivências e debate-las se faz tão importante quanto estar em cena, reverbera o fazer artístico.