Pré-expressividade à luz de Barba
Tomando
por base o estudo sobre pré-expressividade
provindo da antropologia
teatral, o nível pré-expressivo
é definido como um nível básico de organização comum a todos os
atores/bailarinos independente
da técnica experimentada por eles.
Em
seu livro “A Antropologia Teatral”, Barba aponta que a pré-expressividade
preocupa-se com a maneira de deixar a energia do ator cenicamente viva, ou
seja, de manter no ator/bailarino uma
presença que atraia imediatamente a atenção do espectador. Essa energia
cenicamente viva no ator/bailarino é o
denominado nível pré-expressivo.
Essa
preocupação surge como uma solução para a tendência de uma
lógica presente na
psicotécnica, cujo poder de expressão do ator ou bailarino, na perspectiva do
espectador, limita-se ao significado do que se deseja expressar (sentimentos,
ideias, etc.) e não ao que é expressado através do corpo do ator ou bailarino.
Afinal, segundo Barba (1995), “a expressão do ator, de fato, deriva – quase
apesar dele – de suas ações, do uso de sua presença física. É o fazer, e o como
é feito, que determina o que o ator expressa.” (p. 187).
Ainda
sobre essa expressividade na cena, Barba (1995) afirma: “O nível pré-expressivo
pensado desta maneira é um nível operativo, não um nível que pode ser separado
da expressão, mas uma categoria pragmática, uma prática, cujo objetivo, durante
o processo, é fornecer o bios cênico
do ator.” (p. 188).
No
entanto, diferentemente do que muitos pensam
sobre a pré-expressividade, Barba ainda nos
alerta para o fato de que tanto o
processo de absorção passiva, sensório-motora de comportamentos e hábitos
presentes no cotidiano de uma dada cultura (denominada
via da inculturação), como a
busca por técnicas corporais
que se diferenciam dos hábitos da vida cotidiana, a fim de criar um corpo extra-cotidiano (denominada
aculturação), são capazes de ativar o nível pré-expressivo,
ou seja, a presença pronta para representar.
Por tanto, ambos
os tipos de laboratórios corporais que realizarmos
internamente, ao longo desse mês, são maneiras
de ativar nosso
nível pré-expressivo. Tanto
o laboratório denominado por nós de “laboratório pré-expressivo”,
em que tem por objetivo buscar através da exaustão uma energia interna,
verdadeira e vital, quanto os laboratórios que trabalham os princípios de
Barba, ligado a analise
do movimento, movimentos que possam estar associados
ao nosso cotidiano, como o movimento de dormir e acordar.
Nível pré-expressivo através de um corpo extra-cotidiano:
Laboratório
interno
Buscando
a construção de um corpo extra-cotidiano,
“a técnica de aculturação é a distorção
da aparência usual (natural) a fim recriá-la sensorialmente de uma maneira
fresca e surpreendente.” (BARBA, 1995, p. 190). Para
Barba (1995) não se pode distinguir um ator ou um bailarino “aculturado”, pois
os dois carregam em si uma grande qualidade de irradiação energética, uma
presença que pode transforma-se em dança ou em teatro, um corpo que eu
diria que se aproxima
mais da performance ritual
e do teatro ritual de Artaud.
Por
tanto, os nossos laboratório internos
nos quais denominamos laboratórios de pré-expressividade,
tinha por finalidade ampliar
esse nível pré-expressivo por
meio de um corpo aculturado, ou seja, extra-cotidiano.
O
primeiro laboratório de pré-expressividade foi
puxado por Taína,
dia 16 de Janeiro, e
foi o nosso primeiro laboratório interno desde que iniciamos a pesquisa.
Iniciamos com um alongamento pessoal. Após o alongamento, começamos a ocupação
do corpo no espaço, iniciou-se, assim a nossa dança pessoal.
A
partir deste momento, era
um fluxo de energia que não deveria ser quebrado, uma dança que para atingir
algo de nosso interior,
algo de verdadeiro e expressivo (que
chegasse ao ponto de provir de um estímulo interno), deveria ser contínua. Em
sequência, passamos a trabalhar com os diversos planos (baixo, médio e alto) e
em seguida com a busca de oposições, como o nosso corpo estivesse envolvido por
uma bola de borracha e tivéssemos que esticar com várias partes do corpo
(trabalhando simultaneamente as oposições) essa bola de borracha.
Em
seguida, Taína orientou
para que nossa energia externa crescesse até explodir pelo espaço e chegando a
100%. Após essa energia explodir no espaço a 100%, essa
energia a 100% era recolhida por meio de uma pausa no movimento externo, sendo
concentrada internamente. A
partir deste momento, ficamos variando entre pausas (concentração
da energia internamente a 100%) e expansão desse corpo no espaço a 100% de
energia externa. Nos momentos de pausas, percebemos como era importante a
concentração da energia internamente para que possamos explodir, em seguida, o
corpo pelo espaço a 100%.
Após
esse trabalho com energia, passamos a trabalhar na construção de matrizes
corporais. Essas matrizes corporais foram criadas a partir do estímulo de nomes
que estão de certa forma associados ao ritual: sangue, pedra, água, corpo,
lama, fogo, luz, vento, entre outros. Cada um de nós escolhemos alguma
das palavras e passamos a explorar livremente essa palavra em nosso corpo, o signo
dela em nosso corpo.
Após
encontrarmos os movimentos que remetiam àquela palavra que escolhemos, fomos
estimulados a encontrar uma matriz corporal que sintetizasse aquele estado
corporal de sangue, pedra, lama, etc., enfim, o estado que exploramos. Então, a
intensão de descobrir uma matriz corporal para um estado é que através daquela
matriz possamos acessar a qualquer momento aquele estado corporal encontrado.
Por
isso, além de
retomarmos a matriz ao longo dessa dança do elemento escolhido, à medida que interagíamos com o outro do grupo (interação entre
duplas) construímos novas matrizes corporais. Interagimos
com cada um do grupo e foi curioso como a aquele estado do elemento que
escolhemos cada vez mais tomava-nos e
crescia. À medida que interagíamos com o
outro do grupo encontrávamos diferentes sensações desse mesmo estado, emoções e
sensações internas viam à tona. Era como a nossa alma finalmente dançasse pelo
espaço.
O
interessante foi observar que se relacionando com alguém, em duplas, tornou-se
mais fácil acessar o interior, fazendo que nosso corpo dançasse e sentisse algo
que vem livremente do espírito, o que estar escondido em nós. À medida que
interagíamos um com o outro, essa dança crescia dentro de nós e éramos tomados
cada vez mais verdadeira e intensamente pelo que vinha da alma. Sentimos na
pele o havíamos estudado em Artaud.
Dia
18 de Janeiro, foi o meu dia de puxar o laboratório de pré-expressividade.
Tanto eu como Tainá trabalhamos com princípios semelhantes: o trabalho com essa
dança pessoal (dança de energias), explosão pelo espaço dessa energia interna
condensada, concentração da energia internamente, trabalho com elementos que
estimulem a construção de um estado, o guardar na memória corporal (matrizes
corporais) e etc.
Começamos
o trabalho com um alongamento pessoal. Posteriormente, relaxamento, desprendendo-se ao chão.
Após esse relaxamento, retomamos aos poucos o movimento de cada parte do corpo,
iniciando nos dedos dos pés até atingir os fios de cabelo. Exploramos o espreguiçar e as torções no
corpo, então, à medida que se iniciava um movimento, ele não pára mais.
Exploramos os apoios (4 apoios, 3
apoios, 2 apoios e 1 apoio), a fim de encontramos o nosso ponto de
equilíbrio/desequilíbrio, ultrapassando, assim, nossos limites.
Após essa dança do equilíbrio
precário, passamos a explorar as partes do corpo pelo espaço: cabeça pelo
espaço, peito, braços, abdômen, quadril, joelhos, pés. Joelhos e cabeça, pés e
braços, o corpo todo. À medida que essa partes dos membros ocupavam livremente
o espaço, exploramos os diversos planos (baixo, médio e alto) e a variação
desses planos.
Aos
poucos estimulei que essa energia crescesse e tomasse todo o espaço: 50 % de
energia externa, 80%, até atingir a 100%. Após chegar-se a 100%, pausava aquela
energia externa, abruptamente, e toda a energia era concentrada internamente,
no centro do corpo, formando uma panela de pressão nesse centro. Essa energia
crescia, crescia, até explodir pelo espaço energia a 100%. Por fim, à medida
que essa energia explodia, trocava-se com o outro a energia.
Após
esse trabalho de criação de energia, trabalhamos com diversas formas de estados
do corpo:
- O
corpo DRAMÁTICO: um corpo que se expande e que quer preencher todos os
lugares da sala, como se ele não coubesse em você;
- O
corpo de SANGUE: fluido e cheio de um calor que percorre todo o corpo;
- O
corpo de OSSOS: articulações, corpo que se desmonta;
- O
corpo de MÚSCULOS: densidade e tensões.
- O corpo todo ELETRIZADO: cheio de nervos, como os nervos emitem a reação dos movimentos, com pequenos espasmos ou pequenos choques internos.
Enfim, à medida que eu suscitava o
nome de um desses estados cada um tinha que procurar em si esse estado
dramático, de sangue, ossos, etc. Após o encontro de cada estado eu pedia que a
pessoa escolhesse um lugar do corpo para que pudesse colocar essa energia
encontrada, a fim de mais tarde ela pudesse acessar esse estado (o que carrega
o mesmo princípio da matriz corporal).
Por fim, revisitamos os estados que
encontramos com esse exercício com a troca rápida de um estado para outro.
Gabriela Holanda.
Belezura de partilha! Gratidão!
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